Pela primeira vez estou a trabalhar com alunos que frequentam uma unidade de multidificiência. Tal como o nome indica, as deficiências são várias.
O desafio é enorme!
Os alunos são do melhor que há: simpáticos, bem dispostos, participativos, cooperantes (os que têm menos dificuldades ajudam os outros), tolerantes, .... e uma infinidade de adjetivos qualificativos.
Mas que tipo de trabalho posso desenvolver com um grupo de 9 alunos, todos tão diferentes, mas no fundo muito iguais? Desejosos de trabalhar, saber mais, ouvir, participar, brincar, rir,...
Entre as várias atividades que tenho desenvolvido com eles, desde exercícios de relaxamento, à exploração espontânea de intrumentos Orff, ao acompanhamento de diferentes músicas, à execução de pequenos ritmos, depressa me apercebo que este pequeno grupo, que no fundo é enorme, fica feliz com muito pouco.
É aí que eu tropeço. Apesar da felicidade deles, da sua demontração de amizade e carinho, saio daquelas aulas sempre com uma sensação de vazio, uma sensação de impotência, de querer fazer mais, de querer chegar a todos em igual modo e não ser possível.
Esta semana foi diferente. Aliás, já começou na semana passada.
Na semana passada decidi levar o saxofone soprano e tocar algumas melodias para eles. Entre as tentativas para descobrir o nome do instrumento, o fascínio da sua cor dourada, o ouvir e identificar as músicas conhecidas, a alegria foi mais que muita. Para ajudar, ainda pediram algumas musicas conhecidas, os famosos "Parabéns" que foram cantadas e tocados, re-cantados e re-tocados e voltados a cantar e tocar para todos, "o balão do João" e "O teu corpo é música". Esta última foi uma canção trabalhada com os alunos do 1.º ciclo e uma das aulas desta sala também frequenta as AEC. A felicidade que foi a professora tocar, a aluna cantar para o restante grupo. Depois voltaram a pedir a mesma canção e todos tentaram colaborar fazendo os respetivos sons corporais que a música pedia (bater as mãos, os pés, nas pernas e estalar os dedos).
Perante os sorrisos grandiosos deste pequeno público fascinante, percebi que, nesse mesmo dia, lhes tinha dado muito!
Entretanto fui desafiada pelo professor da Educação Especial que os acompanha, a realizar um pequeno concerto de Natal para este grupo, na aula seguinte, ou seja, esta semana (hoje).
Lá selecionei vários temas de Natal, uns mais conhecidos, outros nem tanto, e apresentei-os ao grande público.
As músicas que conheceram fizeram questão de as cantar enquanto eu tocava e três dos alunos, que trabalham comigo nas respetivas turmas (4.º e 5.º anos) decidiram levar a flauta de bisel e acompanhar a professora, imitando o ritmo da música, apesar de executarem uma nota só. Outro dos alunos decidiu ser o maestro, com direito a batuta e tudo. E muito exigente, pois só ao seu sinal é que podiamos começar a tocar.
Entretanto, à janela da sala aparecem os alunos do 4.º ano que entravam mais tarde e que foram convidados a assistir um pouco ao concerto. Fascinados, entraram na sala da unidade de multidificiência, instalaram-se no meio dos alunos que lá estavam, sentaram-se no chão e fizeram silêncio como se fossem gente crescida.
Pediram para tocar, lá toquei alguns temas que conheciam, toquei a canção de Natal que temos andado a ensaiar (À volta do pinheiro) e eles fizeram questão de cantar para os alunos daquela unidade.
Entretanto pediram-me para tocar também a música "O teu corpo é música" para cantarem para os meninos da unidade. E aí sim, o verdadeiro espetáculo verificou-se. Todos cantaram e decidiram ajudar os colegas da unidade a participar, ajudando-os a fazer os gestos.
É nestes pequenos momentos, ainda que improvisados, que sinto que o papel de um professor vai muito para além do ensinar a "papaguear". Sem necessidade de pedir o que quer que fosse, nem silêncio, aquela turma de 21 alunos entra num espaço que não é deles, sentam-se onde dá mais jeito, cantam e ajudam um grupo de alunos diferentes deles, mas iguais, a acompanhá-los neste pequeno concerto. Foi um momento mágico!
Quando chegou a hora de irem para a sua sala, despediram-se de todos eles com abraços e beijinhos, sem que fosse preciso dizer-lhes algo.
E lá continuei o meu concerto, agora com os alunos das flautas encostados a mim e a folhearem os livros que eu tinha levado e, mesmo sem saberem ler, a pedirem para tocar esta e aquela música. Acompanharam-me sempre.
Foi tão gratificante ver os sorrisos deles, a alegria, as reações espontâneas em bater as palmas a acompanhar a música, a capacidade inata de marcar a pulsação da música com palmas, que, numa semana fria, cansativa, trabalhosa, doentia, o meu coração aqueceu e cresceu. Naquele momento senti que não há nada que possamos ter que nos dê uma sensação tão fantástica e calorosa, como ver a felicidade nos rosto daquelas crianças fantásticas.
Para acabar em grande, recebi um enorme e caloroso abraço de turma.
Não há nada que descreva o sentimento que me encheu naquele momento.
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